11838 Interpretação de Texto > Língua Portuguesa > CFSd - PROVAS 2022 - Interior
Analise as assertivas abaixo e assinale a única opção CORRETA em relação às características do gênero literário conto:

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Mesmo?

Há alguns anos, namorei um professor de Direito e procurador-geral da União (do tipo com mestrado, doutorado, pós-doutorado e mil especializações) cujo apreço pela língua portuguesa chegava a ser irritante até para mim. Não sei se por implicância ou por exibicionismo, esse homem, nos nossos momentos de brigas (que não eram poucos; afinal, éramos mais possessivos do que todos os pronomes possessivos juntos), tentava, de todas as formas, mostrar que dominava a última flor do Lácio, vulgo língua portuguesa, mais do que eu. E o que acontecia? Eu ficava tão irritada com a situação que sempre perdia no quesito argumentação.

Certa vez, após almoçarmos em uma tarde de sábado, ele foi para a minha casa. Enquanto esperávamos pelo elevador, eu comentei:

Ainda chegará o dia em que todas essas placas de aviso de elevadores serão corrigidas. Aff!

– Oi?

– Você nunca reparou? “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado neste andar. ”

– E daí?

– E daí que a palavra “mesmo” não pode retomar outra palavra, como elevador.

– Claro que pode! “Mesmo” é um pronome demonstrativo. Está demonstrando onde devemos ou não entrar.

– Realmente, “mesmo” pode atuar como pronome demonstrativo, mas ele retoma uma oração, não uma palavra, Maurício.

– Exemplo?

– Eu sou uma namorada fiel; por isso espero que o meu namorado faça o mesmo. Viu? Recupera-se, aí, a oração sobre fidelidade.

– Isso é uma indireta, Cíntia?

– Não, é direta mesmo. E esse “mesmo” de agora?

– É um advérbio com valor reforçativo, Maurício. Ele reforça quão galinha você é. O elevador chegou. Vamos.

– Mesmo? Hahaha…

– Não fuja do assunto. Estou cansada das suas ciscadas por aí.

Chegando, eu retirei as minhas roupas e coloquei um roupão. Ele tirou os sapatos, como quem mostra que vai ficar, mas recebeu um telefonema sei lá de quem e prontamente respondeu:

– Claro que vou. Em dez minutos estarei aí.

– Oi??? Você vai me deixar aqui mesmo?

– E esse “mesmo”?

– Equivale à palavra “realmente” e ao provável término do nosso namoro se você sair daqui.

Perguntei para ele de quem se tratava, mas Maurício desconversou. Disse que eu não conhecia a pessoa em questão, que ele precisava “dar uma passada” no tal lugar, que eu não iria gostar do barzinho, blá-blá-blá… E começou a ladainha linguisticamente ortodoxa comum aos
discursos que ele ensaiava nas nossas brigas:

– Cíntia, eu sou um homem de conduta ilibada, de quem você não pode duvidar. E você é a mulher pela qual sou apaixonado. Você tem tudo quanto quer de mim e ainda assim sempre duvida dos lugares onde digo que estou.

– É mesmo? Fiquei lisonjeada…

– Esse “mesmo” foi irônico. Não admito ironias sobre a minha fidelidade.

– Maurício, você não me engana. Eu ouvi voz de mulher. Quem está lá? Quantas mulheres são? De onde é esse amigo misterioso do qual eu nunca ouvi falar? Aposto que é aniversário de mulher, por isso você não quer me levar. Não é? Você já estava distante na hora do almoço. Eu senti!

– Não me venha, Cíntia Chagas (ele sempre me chamava de Cíntia Chagas durante as brigas), com o seu discurso falacioso! Sou um namorado de cuja fidelidade você não pode duvidar. Quer saber? Vou embora. Passar bem.

E saiu correndo do meu apartamento. E eu saí correndo atrás dele, afinal de contas, ele tinha de me ouvir. Mas o caso é que eu estava de roupão e não me lembrei desse detalhe. Pois bem: vi-me de roupão, no meio da rua, brigando com o Senhor Sabe-Tudo. Cena de novela: atirei-me na frente do carro dele e disse:

– Daqui você não sai.

Ele, frio como um iceberg, respondeu:

– Só se você me disser que “mesmo” substitui palavra, que estou certo.

– Maurício, não me irrite! Já expliquei que “mesmo” não substitui palavra e ponto final.

– Ele, divertindo-se com a situação, disse:

– Então, como ficaria a placa do elevador, Rainha da Língua Portuguesa?

– “Antes de entrar no elevador, verifique se este se encontra parado neste andar”. Pronto, Maurício. Agora saia do carro. Os vizinhos já estão olhando. Não vê que estou de roupão?

– É mesmo? Coitadinha… Isso é para você aprender a não desconfiar de mim.

Deu ré e foi embora.

Então eu fiquei ali, na rua, de roupão, sem a chave do portão do prédio, à espera de um vizinho com quem eu pudesse contar.

E você, leitor, neste momento pergunta a si mesmo: mesmo? De roupão na rua?

Mesmo…

CHAGAS, Cíntia. Sou péssimo em português: chega de sofrimento! Aprenda as principais regras de português dando boas risadas. 1 ed. Rio de Janeiro: HarperColllins, 2018.

a) O narrador é sempre o protagonista no conto
b) O foco narrativo pode ser de 1ª pessoa ou de 3ª pessoa.
c) Não há espaço para o uso conotativo da linguagem.
d) Apresenta vários conflitos básicos.

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    Explicação do Professor:

    O conto é uma narrativa curta que apresenta um único conflito. O foco narrativo pode ser de 1ª ou 3ª pessoa. O narrador poderá ser onisciente, observador ou um narrador personagem. Sendo assim, nem sempre o narrador será o protagonista. O conto também apresenta figuras de linguagem, ou seja, poderá ser usado a linguagem conotativa.

    Assim, a assertiva correta é a B.