10234 Interpretação de Texto > Língua Portuguesa > CHO – Prova 2020
O texto “O engano”, além de pertencer ao gênero crônica, pode ser inserido na classificação de textos que retratam “cenas engraçadas do cotidiano”. Nesses textos, é comum ocorrer a “quebra de expectativa” do leitor. Assinale a opção que explicita a “quebra de expectativa” observada na crônica de Antonio Prata.

Leia, atentamente, o texto abaixo e, em seguida, responda às questões propostas.

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O ENGANO

Antonio Prata

É ASSOMBROSO que em pleno século 21, 135 anos depois de Graham Bell ter inventado o telefone, ainda haja pessoas incapazes de aceitar esta situação tão banal da vida cotidiana: o engano. Sem dúvida, o leitor sabe do que estou falando: no meio da tarde você atende a uma chamada e, do outro lado da linha, uma voz estranha pergunta: “Alô, Waldemar?”.

Seu nome não é Waldemar. Você não se casou com um Waldemar nem batizou assim qualquer um de seus filhos, de modo que só há uma explicação, simples e evidente: foi engano. Você engole o pequeno mau humor que escorre dos segundos perdidos, aceita a frustração de ter-se imaginado necessário ou querido em algum canto da cidade, no meio da tarde, quando, na verdade, era de um Waldemar que precisavam. Você diz, seco, mas não antipático: “Amigo, aqui não tem nenhum Waldemar: foi engano”, e já está tirando o telefone da orelha, pronto a voltar a seus afazeres, quando a voz ressurge, indignada: “Como assim não tem nenhum Waldemar?”.

Como assim, “como assim?!”?! O que passa pela cabeça do cidadão?

Que você é o Waldemar, mas está mudando a voz e fingindo ser outro só para não atendê-lo? Ou que você é um assaltante e invadiu a casa do Waldemar – que agora tenta gritar, amordaçado e amarrado a uma cadeira: “Mmmm! Mmmm!”?!

Você respira fundo. Sabe que, se for arrancar os cabelos toda vez que lida com seres estranhos, numa cidade como São Paulo, muito rápido estará igual ao Kojak. Diz apenas, paciente e didático: “Olha, amigo, eu não me chamo Waldemar, não mora nenhum Waldemar nesta casa, foi en – ga – no, entendeu?”.

Não, ele não entendeu. Estamos lidando com um maníaco, um homem cuja disfunção neurológica impede de compreender os desvios dos polegares, dos satélites, das linhas telefônicas. Inconsolável, ele se debate: “Mas não pode ser! Me deram esse número! Disseram que era do Waldemar!”. Zen, você insiste: “Amigo, te deram o número errado, ou você teclou errado, sei lá, é muito comum, foi ENGANO!”.

Seguem-se alguns promissores segundos de silêncio. Você acha que ele enfim se convenceu, que desligará o telefone e dirá à mulher “Aurélia, você não sabe que coisa assombrosa! Liguei pro Waldemar e atendeu outro homem!”, mas a voz reaparece, acusatória: “Então, qual é o seu número?!”.

Aí já é demais. Seu número, você não dirá. Não sabe o sujeito que a constituição brasileira garante a presunção da inocência? Não sabe que, de acordo com a velha máxima latina, in dubio pro reu, cabe à acusação provar que você é – ou esconde – o Waldemar e não a você provar que não o é – ou não o esconde?

Catando no fundo da alma a última migalha de generosidade, você pergunta: “Que número você ligou?”. Ele diz o número. Evidentemente, não é o seu. Você mostra para ele o equívoco, “olha aqui, o meu é cinco oito, não três oito, tá vendo?”. Pasmo e contrariado, ele finalmente aceita a situação, despede-se rispidamente e desliga.

Você pode então – Jesus seja louvado! – voltar a seus afazeres, a saber: dar mais um aperto na corda que amarra o Waldemar e continuar o arrombamento do cofre, onde encontram-se os dólares e as joias da Gertrudes.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2206201110.htm

a) O leitor não acredita, desde o início do texto, que a personagem que atende à ligação telefônica por engano desconheça a personagem Waldemar.
b) O leitor não espera que, no decorrer da narrativa, outras ligações serão atendidas pela personagem que se mostra bastante irritada e extremamente exaltada com a personagem Waldemar.
c) O leitor não imagina que, ao final do texto, a personagem Waldemar esteja, efetivamente, amarrada numa cadeira, em meio a um verdadeiro assalto.
d) O leitor não é capaz de perceber que, ao iniciar o texto, o cronista revela, claramente, que as ligações telefônicas são atendidas pela personagem que mantém Waldemar amarrado, o assaltante.

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