11833 Língua Portuguesa > Semântica e estilística > CFSd - PROVAS 2022 - Interior
Os pressupostos são informações implícitas que são marcadas lexicalmente na frase. Considerando o contexto, analise os fragmentos do texto “Mesmo?” abaixo quanto à ocorrência de informações implícitas, e, a seguir, assinale a opção CORRETA:

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Mesmo?

Há alguns anos, namorei um professor de Direito e procurador-geral da União (do tipo com mestrado, doutorado, pós-doutorado e mil especializações) cujo apreço pela língua portuguesa chegava a ser irritante até para mim. Não sei se por implicância ou por exibicionismo, esse homem, nos nossos momentos de brigas (que não eram poucos; afinal, éramos mais possessivos do que todos os pronomes possessivos juntos), tentava, de todas as formas, mostrar que dominava a última flor do Lácio, vulgo língua portuguesa, mais do que eu. E o que acontecia? Eu ficava tão irritada com a situação que sempre perdia no quesito argumentação.

Certa vez, após almoçarmos em uma tarde de sábado, ele foi para a minha casa. Enquanto esperávamos pelo elevador, eu comentei:

Ainda chegará o dia em que todas essas placas de aviso de elevadores serão corrigidas. Aff!

– Oi?

– Você nunca reparou? “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado neste andar. ”

– E daí?

– E daí que a palavra “mesmo” não pode retomar outra palavra, como elevador.

– Claro que pode! “Mesmo” é um pronome demonstrativo. Está demonstrando onde devemos ou não entrar.

– Realmente, “mesmo” pode atuar como pronome demonstrativo, mas ele retoma uma oração, não uma palavra, Maurício.

– Exemplo?

– Eu sou uma namorada fiel; por isso espero que o meu namorado faça o mesmo. Viu? Recupera-se, aí, a oração sobre fidelidade.

– Isso é uma indireta, Cíntia?

– Não, é direta mesmo. E esse “mesmo” de agora?

– É um advérbio com valor reforçativo, Maurício. Ele reforça quão galinha você é. O elevador chegou. Vamos.

– Mesmo? Hahaha…

– Não fuja do assunto. Estou cansada das suas ciscadas por aí.

Chegando, eu retirei as minhas roupas e coloquei um roupão. Ele tirou os sapatos, como quem mostra que vai ficar, mas recebeu um telefonema sei lá de quem e prontamente respondeu:

– Claro que vou. Em dez minutos estarei aí.

– Oi??? Você vai me deixar aqui mesmo?

– E esse “mesmo”?

– Equivale à palavra “realmente” e ao provável término do nosso namoro se você sair daqui.

Perguntei para ele de quem se tratava, mas Maurício desconversou. Disse que eu não conhecia a pessoa em questão, que ele precisava “dar uma passada” no tal lugar, que eu não iria gostar do barzinho, blá-blá-blá… E começou a ladainha linguisticamente ortodoxa comum aos
discursos que ele ensaiava nas nossas brigas:

– Cíntia, eu sou um homem de conduta ilibada, de quem você não pode duvidar. E você é a mulher pela qual sou apaixonado. Você tem tudo quanto quer de mim e ainda assim sempre duvida dos lugares onde digo que estou.

– É mesmo? Fiquei lisonjeada…

– Esse “mesmo” foi irônico. Não admito ironias sobre a minha fidelidade.

– Maurício, você não me engana. Eu ouvi voz de mulher. Quem está lá? Quantas mulheres são? De onde é esse amigo misterioso do qual eu nunca ouvi falar? Aposto que é aniversário de mulher, por isso você não quer me levar. Não é? Você já estava distante na hora do almoço. Eu senti!

– Não me venha, Cíntia Chagas (ele sempre me chamava de Cíntia Chagas durante as brigas), com o seu discurso falacioso! Sou um namorado de cuja fidelidade você não pode duvidar. Quer saber? Vou embora. Passar bem.

E saiu correndo do meu apartamento. E eu saí correndo atrás dele, afinal de contas, ele tinha de me ouvir. Mas o caso é que eu estava de roupão e não me lembrei desse detalhe. Pois bem: vi-me de roupão, no meio da rua, brigando com o Senhor Sabe-Tudo. Cena de novela: atirei-me na frente do carro dele e disse:

– Daqui você não sai.

Ele, frio como um iceberg, respondeu:

– Só se você me disser que “mesmo” substitui palavra, que estou certo.

– Maurício, não me irrite! Já expliquei que “mesmo” não substitui palavra e ponto final.

– Ele, divertindo-se com a situação, disse:

– Então, como ficaria a placa do elevador, Rainha da Língua Portuguesa?

– “Antes de entrar no elevador, verifique se este se encontra parado neste andar”. Pronto, Maurício. Agora saia do carro. Os vizinhos já estão olhando. Não vê que estou de roupão?

– É mesmo? Coitadinha… Isso é para você aprender a não desconfiar de mim.

Deu ré e foi embora.

Então eu fiquei ali, na rua, de roupão, sem a chave do portão do prédio, à espera de um vizinho com quem eu pudesse contar.

E você, leitor, neste momento pergunta a si mesmo: mesmo? De roupão na rua?

Mesmo…

CHAGAS, Cíntia. Sou péssimo em português: chega de sofrimento! Aprenda as principais regras de português dando boas risadas. 1 ed. Rio de Janeiro: HarperColllins, 2018.

I. “[…] tentava, de todas as formas, mostrar que dominava a última flor do Lácio, vulgo língua portuguesa, mais do que eu.”

II. “Estou cansada de suas ciscadas por aí.”

III. “É mesmo? Fiquei lisonjeada…”

IV. “- Então como ficaria a placa do elevador, Rainha da Língua portuguesa?”

Há informações implícitas nos itens:

a) I, II, III e IV.
b) II e IV, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.

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    Questão:
    Tipo de Erro:

    Explicação do Professor:

    As Figuras de Linguagem são recursos estilísticos que se revelam pelo modo não convencional com que as palavras são trabalhadas. Elas expressam algo além das palavras, ou seja, algo implícito.

    No fragmento I, ao utilizar a expressão “a última flor do Lácio”, o autor faz uso de uma figura de linguagem denominada metáfora, que é uma comparação subentendida. Posteriormente o autor cita: “vulgo língua portuguesa”, que seria o elemento metaforizado pela expressão “a última flor do Lácio”.

    No fragmento II, ao utilizar a expressão “ciscadas”, o autor novamente faz uso da metáfora, desta vez para apresentar a perspectiva de traição/ter outras mulheres; nessa passagem o termo não faz referência ao movimento que a galinha faz. Trazendo assim, a ideia implícita de traição.

    No fragmento III, ao utilizar a expressão “Fiquei lisonjeada”, o autor faz uso da ironia, recurso empregado para afirmar o contrário do que a personagem está pensando.

    No fragmento IV, ao utilizar a expressão “Rainha da Língua portuguesa”, o autor novamente faz uso da ironia para satirizar a personagem.

    Sendo assim, a assertiva correta é a A, todos os trechos apresentam informações implícitas.